O Patriarcado no Judaísmo Enquanto Injustiça Epistêmica: A Criação da Mulher na Tradição Rabínica e na Crítica Feminista *

Por Marcos Gandelsman1 (Brasil)

Introdução

A tradição judaica, desde suas bases textuais tanáchicas e rabínicas, foi conformada por diferentes referenciais simbólicos ao longo da história, o que lhe possibilitou preservar e atualizar a legitimação social (Berger, Luckman, 1966/2004)2 de diversas de suas instituições milenares. Estas mesmas instituições informaram, das mais variadas formas, a reprodução desta cultura, bem como o acesso e participação de diferentes sujeitos em seus espaços de poder e de tomada de decisão. Este estudo analisa a categoria do feminino na tradição judaica, destacando a histórica falta de reconhecimento e participação das mulheres nas instituições judias de estudo (Elior, 2023)3, e a relação destes fatores com a instituição do patriarcado, ainda hoje vigente e hegemônica no judaísmo e no Ocidente. Tal influência não é aqui proposta como uma reprodução direta: “mesmo que certo conceito seja ‘derivado de’ recursos judaicos, ele precisa passar pela tradução para ser amplamente comunicável, e para que sua relevância se estabeleça fora de um quadro comunitário (seja religioso, seja nacional)” (Butler, 2012/2017, p.17)4. Acerca deste processo de tradução, vale salientar ainda que geralmente “a voz de Israel é ouvida (…) como nada mais que a voz de um precursor, a voz do Antigo Testamento que nós, judeus, de acordo com uma afirmação de Buber, não temos razão para considerar nem como um testamento nem como algo antigo” (Levinas, 1957/1976, p.305).

Considerando o escopo do presente trabalho, orientamos a discussão ao problema de identificar a voz e a linguagem da Mulher em uma cultura textual de base masculina e patriarcal. Particularmente na tradição judaica, a compilação canonizada de textos tradicionais, ‘O Livro’ (Halbertal, 1997)6, assumirá uma centralidade radical, e serve portanto como importante ponto de contato e interação entre diferentes períodos e leituras, desde a época pré-canônica até os dias de hoje (Roitman, 2002)7. Daremos destaque aos capítulos iniciais de Bereshit, por ser neste trecho que se expõe a referência tradicional, religiosa e mitológica para os surgimentos e a diferenciação de Adam, o Primeiro Humano, seus ‘lados’ e ‘descendências’ de acordo com o relato bíblico. A partir deste corpo textual, propomos a centralidade da ‘questão da mulher’ (Kollontai 1909/1977)8 para uma leitura crítica e contemporânea da tradição judaica, apontando o silenciamento da voz feminina em sua composição tradicional. Argumentaremos que este silenciamento remonta a uma leitura masculinista do Tanach, que deve ser superada, se consideramos legítimo o argumento humanista presente em Bereshit 1:26-29. Esta superação só se faz possível na medida em que produzimos a crítica à ordem patriarcal presente no judaísmo, “sustentada por instituições oficiais, correspondendo aos ramos legislativo, judicial e executivo do governo – promulgando, interpretando e aplicando a lei (seja de ordem divina ou humana). Todas estas instituições foram criadas, preservadas e conduzidas exclusivamente por homens” (Elior, 2023, p.90)9. À medida que a sociedade contemporânea se torna mais igualitária, é imperativo oferecer alternativas interpretativas ao argumento patriarcal no judaísmo. Naturalmente, este processo se consolida no campo dos Estudos Judaicos através da crítica feminista. 

A Criação da Mulher na Torá: Um relato plural?

Para muitos, ainda pode soar confusa a afirmação de que não existe apenas um registro da criação humana na Torá. Como afirma Boyarin (1994)10, graças a leituras críticas feministas se disseminou a referência de que a criação humana é contada na Torá duas vezes (Ber. 1:26-30; 2:7-23): “no capítulo 1 de Genesis, Masculino e Feminino são aparentemente criados simultaneamente, enquanto que no segundo capítulo, o homem vem primeiro e a mulher é uma criação secundária retirada de seu corpo” (1994)11. Nem Boyarin nem a presente discussão propõem que a tradição judaica desconhecia as possíveis contradições acerca desta dupla narrativa sobre a criação de Adam antes dos aportes feministas do século passado, ou que não tenha proposto outras soluções interpretativas para este ‘problema’. 

A crítica feminista se destaca por analisar as consequências desta dupla exposição à condição feminina conforme expressa na Torá. É inegável que a interpretação hegemônica e institucionalmente legitimada da Torá no judaísmo se centra no masculino (Ross, 2000)12, o que não quer dizer que sua base seja legitima ou mesmo divina: “o modelo haláchico das relações entre homens e mulheres é lastreado socialmente e limitado culturalmente – como tal, é reflexo de um conjunto de pressupostos que podem ser rastreados até forças palpavelmente ‘profanas’ e ‘não-judias’ na história da cultura humana” (Ross, 2000, p. 213). A seguir apresentaremos uma análise do texto bíblico associado ao segundo relato da criação Humana, do qual herdamos as principais leituras e tradições interpretativas judaicas sobre as naturezas humana, masculina e feminina. Lerei o texto desde a interpretação rabínica tradicional, a fim de evidenciar sua linguagem masculina e sua tradição interpretativa patriarcal.

As Criações da Mulher (Ishá/Chavá) e Suas Submissões em Bereshit 2-3

Mesmo antes da declaração divina que inscreve na Torá a submissão da mulher a seu marido (Ber. 3:16), a caracterização da personagem que virá a ser chamada de Chava já parece subordiná-la a Adam enquanto masculino em ao menos três dimensões. O exemplo mais explícito seria considerar que a criação desta Mulher se apresenta como uma intervenção divina para que o Humano não estivesse sozinho (Ber. 2:18). Ishá aqui é, portanto, ontologicamente secundária à criação do Humano (1ª dimensão), já que a justificativa para a sua existência estaria subordinada a ele e ao problema de sua solidão, sem nenhuma expressa função ou justificativa própria anterior ou concomitante.

Muito embora existam traduções diversas (Rashi para Ber. 2:21), importa ainda considerar que a leitura tradicional diz que Ishá é produzida a partir de uma costela de Adam (Ber. 2:21), ou seja, uma parte menor, o que conforma a ideia de que ocupará uma posição fraca diante da posição forte sustentada por Adam, e está, portanto, sujeita a seu jugo e dominação física (2ª dimensão). Diana Carvalho (2009, p.31)13 considera que este argumento “valida a necessidade para o casamento entre o homem que é moral e fisicamente forte e a mulher que é submissa e se dobra de acordo com a vontade de seu marido”, refletindo a visão da sociedade judia tradicional acerca do lugar das mulheres na sociedade, e perante “seus maridos e seu criador” (2009, p.31). 

Importa ainda considerar o argumento linguístico/morfológico apontado no relato bíblico pelo próprio Adam, que a chama de Ishá para destacar sua subordinação conceitual a Ish, colocando o masculino como antecessor, original, e o feminino como secundário, derivado (Ber. 2:23) (3ª dimensão). Muito embora este argumento apresentado por Ish não seja confrontado, o próprio relato bíblico anterior parece complicar esta relação derivativa morfológica, quando consideramos, por exemplo, a primazia de Adamá (terra) perante a criação de Adam (Ber. 2:5-7). Acerca desta discrepância, Katz assevera que “mais interessante ainda é o fato de que depois desta criação, independente da ordem inicial, o homem (os futuros humanos) em realidade se originam da mulher! Mesmo que nada mais seja dito, essa história retrata uma inversão da verdade biológica” (2003, p.45).

Baseado nestas três relações de subordinação (ontológica, física/material e linguística/morfológica), e seguindo as reflexões de Boyarin (1994)14 e Katz (2003)15, consideramos que a visão hegemônica sobre a criação do Homem e da Mulher na Torá pode ser lida como uma ‘tradução ao grego’, à cultura ocidental e ao paradigma institucional de sua transmissão, que acarreta em uma interpretação redutiva e patriarcal de sua narrativa, perpetuando uma pretensa superioridade masculina, associada à razão, ou logos, e a relativa inferioridade feminina, associada aos afetos e demais “limites” de uma existência corpórea e reificada/coisificada. Um caricato, ainda que interessante exemplo, são as justificativas apresentadas por Rabbi Yeoshua em Bereshit Rabbah 17:8 para as diferenças entre homens e mulheres, dentre as quais encontramos os argumentos de que as mulheres colocam perfume por terem sido criadas de carne e osso, diferente dos homens, que foram feitos da terra e por isso não são malcheirosos como elas. Em outra comparação que propõe, derivaria de serem feitas de osso as suas vozes finas e ecoantes. Concluo citando diretamente deste texto: “Por que motivo o homem procura por uma mulher, e não a mulher por um homem? [Rabbi Yeoshua] lhes pergunta: a que isso é comparável? A alguém que perdeu uma coisa. Ele procura pela coisa que perdeu, mas a coisa perdida não o procura”.

Existem, notadamente, tradições de comentários rabínicos que reconhecem em Chava também a expressão de princípios genéricos humanos, e não apenas particularmente femininos (Kadari, 1999)16. Como Baskin (1989)17 argumenta, contudo, é profunda e histórica a ausência de perspectivas e leituras femininas acerca dos relatos expressos no Tanach, e neste sentido a condição feminina é habitualmente apresentada como anormal a partir da posição normativa de seus autores masculinos. Seguindo a perspectiva levinasiana, e tomando particular respaldo na investigação realizada por Katz (2003), Ishá é com efeito o “Outro” paradigmático no judaísmo. Não acreditamos que exista um consenso tácito acerca da diferenciação negativada e subordinada da Mulher perante o Homem no judaísmo, mas salientamos que a leitura hegemônica na tradição judaica tende a expressar esta ideia (Kadari, 1999). 

A Perspectiva Feminista e a Crítica à Tradição Judaica da Submissão de Ishá

De acordo com o que Diana Carvalho expõe em sua tese (2009), pensadoras judias feministas reconhecem em Chava a posição feminina subordinada à lógica do patriarcado, da qual intencionam se desassociar. Para Carvalho (2009), a interpretação e estudo de autoras como Plaskow acerca da narrativa bíblica para a criação feminina “revela preocupações judias feministas com apresentar a mulher em uma luz negativa e perpetuando ideias patriarcais e androcêntricas subjacentes às linhas do texto de Genesis 1-3” (2009, p.39). Já Phyllis Trible18 propõe em sua leitura um caminho diferente: “Aceitando séculos de exegese (masculina), muitas feministas interpretam esta história como legitimando a supremacia masculina e a subordinação feminina. Elas leem para rejeitar. Minha sugestão é que releiamos para entender e para nos apropriarmos” (1973/79, p.74).

Na leitura proposta por Trible, Adam não rebaixa Ishá a uma posição secundária quando assim a nomeia (Trible, 1973/1979). A concepção divina de Ezer Kenegdo já implicaria o reconhecimento mútuo da igualdade entre ambos: “D’us é ajudante superior ao homem; os animais são ajudantes inferiores ao homem; a mulher é ajudante igual ao homem” (1973/1979, p.75). Seguindo sua leitura, apenas com a nomeação de mulher como Chava a dominação masculina se realizaria de fato. Interessantemente, Trible não considera essa dominação uma consequência de certo castigo prescritivo divino. A autora lê o versículo 3:16 como um julgamento, e afirma que “nós estamos lendo errado se assumimos que esses julgamentos são mandatos. Eles descrevem; eles não são prescrições. Eles protestam; eles não se coadunam.” (1973/1979. p.80).

Segundo Trible, a confusão de entender a subordinação feminina ao homem como “licença para a supremacia masculina” (1973/1979, p.80) é o pecado original compartilhado entre ambos, que resultará em sua expulsão do Jardim do Éden:

A subjugação e a supremacia são perversões da criação. Através da obediência, a mulher se tornou escrava. Sua iniciativa e sua liberdade desaparecem. O homem também é corrompido, pois se tornou senhor, governando sobre aquela que é sua igual concedida por D’us. A subordinação da mulher ao homem significa seu pecado compartilhado. Este pecado vicia todas as relações: entre animais e seres humanos (3:15); mães e filhos (3:16); maridos e esposas (3:16); homem e a terra (3:17); homem e sua obra (3:19). Enquanto na criação o homem e a mulher conhecem a harmonia e a igualdade, no pecado eles conhecem a alienação e a discórdia. (Trible, 1973/1979, p.80)


Na medida em que a ciência moderna produziu suas próprias investigações e evidências quanto às diferentes concepções de família, sujeito e sociedade ao redor do mundo e ao longo da história humana, perdeu sentido defender que a subordinação social da mulher perante o homem seja necessária e insuperável
. Investigações já centenárias, como as expostas por Engels (1884/2019), ou por Kollontai (1909/1977), comprovavam que esta crença é falsa. Sempre houve uma ampla e diversa gama de estruturas e dinâmicas culturais com relação à sexualidade e à atividade reprodutiva, que divergiam radicalmente da lógica familiar patriarcal. É também consenso acadêmico que sua instituição não foi uma derivação natural do ‘progresso’ humano. Mesmo que possamos reconhecer a importância ou dependência da estrutura familiar tradicional na antiguidade (Engels, 1884/2019)19, a crítica acadêmica evidencia na modernidade a pluralidade de paradigmas distintos para as relações familiares e entre os gêneros ontem e hoje. O mesmo se evidencia desde as diferentes sociedades judias ao longo dos milênios (Elior, 2023). Com a crítica feminista à historiografia no último século, e os estudos de gênero nos últimos cinquenta anos, passamos a entender que a pretensa normatividade e consistência dos referenciais tradicionais acerca do passado silenciam a histórica diversidade e complexidade de qualquer sociedade humana. No judaísmo, assim como no restante do ocidente, esta normatividade foi consolidada e preservada com base em uma tradição de conhecimento excludente e masculinista (Elior, 2023).  

A Torá é narrada desde a posição Masculina. Em alguns casos reproduz desde fora a vivência particular feminina, podendo incluso transcrever poemas e ditos de mulheres em seu corpo textual, mas sem abrir espaço para que elas próprias se apoderassem da pena e exercessem diretamente seus registros. Em pouquíssimos casos se argumenta que tenham sido efetivamente mulheres as responsáveis pela produção e redação de textos canonizados no Tanach, e em nenhum caso, apesar dos indícios levantados, é possível confirmar que mulheres tenham sido suas autoras (Palmer, 2016)20 21 . As mulheres judias, como todas as outras, foram igualmente agentes históricas, e seus registros, quando resgatados, contribuem enormemente aos estudos contemporâneos da história judaica (Elior, 2023). Desde a perspectiva institucional, contudo, surgem como passos silenciosos nesta milenar tradição (Katz, 2003).

A tradição judaica, seja em sua referência à força da palavra divina, ao princípio da preservação pela tradição oral de seus sentidos, ou mesmo na prática semântica e semiótica dos Estudos Judaicos e Bíblicos, reforça a centralidade da palavra, do dito, para sua concepção de mundo (Halbertal, 1997). Falar sobre a importância do dito é também falar sobre os discursos silenciados ao longo da tradição judaica, como argumenta Baskin (1989) acerca da voz feminina. A seguir, apresentarei uma concepção crítica proposta desde a filosofia contemporânea, e de que formas entendemos que ela contribui à leitura das origens da Mulher na tradição judaica. 

Sobre Injustiças Epistêmicas: Limites lógicos e éticos do relato da criação e da subordinação da Mulher na tradição judaica

A filósofa Miranda Fricker propõe a categoria de injustiça epistêmica para um “mal cometido contra alguém especificamente quanto à sua capacidade de ser conhecedor” (Fricker, 2007, p.1)22. Sua investigação filosófica se estende pelo campo epistemológico, apresentado por ela como o campo de estudo sobre “as práticas humanas através das quais o conhecimento é adquirido, ou então perdido” (Idem., 2007, p.vii). As possíveis relações de injustiça neste campo dizem respeito a formas particulares de violência associadas às duas atividades epistemológicas básicas: “a transmissão de conhecimento a outros através do dizer, e a atribuição de sentido às nossas experiências sociais” (2007, p.1). Quanto à primeira prática (a transmissão do conhecimento), a autora aponta a possibilidade de uma injustiça testemunhal, baseada em preconceitos associados a uma economia de credibilidade, que diferencia e deprecia vozes lidas enquanto minoritárias, menos confiáveis ou irrelevantes. Acerca da segunda prática (a atribuição de sentido), explora preconceitos estruturais à economia de recursos hermenêuticos disponíveis para diferentes coletividades, e que são ofertados ou não em dado contexto social a cada sujeito em específico (Fricker, 2007). A filósofa propõe, com base nessa leitura, que injustiças testemunhais ocorrem sempre que “o preconceito causa quem escuta a conceder um nível de credibilidade reduzida à palavra de quem fala” (Fricker, 2007, p.2). Já as injustiças hermenêuticas ocorrem “quando uma lacuna nos recursos interpretativos coletivos coloca alguém em uma desvantagem injusta para dar sentido às suas experiências sociais” (2007, p.2). 

A partir do relato bíblico, e de sua interpretação tradicional rabínica, podemos apontar que Chava é percebida como uma criatura mais fácil que Adam de ser enganada pela serpente (Kadari, 1999), e que potencialmente reproduz de forma equivocada a determinação divina em sua conversa com o animal (Ber. 3:3). Embora neste caso se discuta se foi ela ou Adam que adicionaram a restrição a tocar no fruto (Kadari, 1999), percebemos de qualquer forma uma mulher que é apresentada como fonte menos relevante ou confiável de informação no texto bíblico: quando D’us os procura depois, a primeira testemunha que lhe interessa ouvir é o Humano, e apenas depois que este fala D’us se voltará à Mulher (Ber. 3:9-13). 

Conforme o relato, as categorias que conformam nosso mundo parecem ser produzidas pelo pensamento e olhar de um masculino tomado por universal (Ber. 2:19-20). Seu discurso vem primeiro. O olhar masculino naturalmente resulta genericamente humano para uma série de temas, mas quanto a certas questões não é apenas enviesado, senão que frequentemente alienado e alienante. Esta alienação, não foi apontada desde a leitura tradicional judaica do texto. Indica a reprodução e sustentação de um viés de confirmação da perspectiva masculina sobre o texto e seus sentidos, criado por gerações de estudo, discussão e interpretação rabínica da Torá que não incluiu perspectivas e contribuições femininas (Ross, 2000). Deste tipo de reprodução cultural ao longo do tempo derivam as relações de injustiça hermenêutica de que nos fala Fricker (2007). Quando pensamos a cena desde a visão da Metade retirada enquanto Tzalotaiv (2:21)23, podemos considerar a injustiça no ato vocativo de Ish, e na omissão da Torá quanto à voz do outro lado de Adam. Não sabemos que contribuições as leituras femininas da tradição judaica ao longo dos milênios nos trariam hoje caso tivessem recebido mais atenção de seus contemporâneos e descendentes. Sabemos que são relatos marginais para o cânone judaico, por mais significativas e diversas que as vivências femininas tenham sido ao longo dos séculos e desde os diferentes contextos de vida judaica pelo mundo (Elior, 2023). Porque foram e seguem sendo largamente esquecidas e desconsideradas desde a perspectiva hegemônica judaica, esta tradição se constitui a partir de uma relação de injustiça epistêmica, de base testemunhal e hermenêutica, contra as mulheres judias em sua condição de conhecedoras. Este viés se evidencia na Torá, desde o equívoco de atribuição conceitual presente no relato da criação da Mulher, e de sua nomeação enquanto Ishá.

A diferenciação sexual entre Ish e Ishá confirma a equiparação falaciosa entre Adam e Ish por parte deste. Há um erro lógico quando ele define Ishá, a metade feminina, enquanto uma derivação de Ish, e não de Adam (2:23). Proponho considerar que este erro se produz, desde a exposição bíblica, pela alienação masculina acerca da origem da Mulher. A metade masculina não testemunhou esta criação divina. Segundo o relato bíblico, estava dormindo (2:21). Acorda se identificando como continuidade de Adam, sem que lhe seja explicado por qualquer parte o que havia acontecido durante seu sono. No momento do encontro entre as metades, presta um testemunho que não é confrontado por D’us, nem pela Mulher, nem por qualquer outro ser, atestando que a Mulher deve se chamar Ishá por ser derivada de Ish, e sela neste ato, em nossa leitura, a redução da mulher a uma condição de propriedade subordinada ao homem, seja este seu pai ou seu marido. A própria Torá parece reconhecer a importância deste versículo em sua defesa tradicional do casamento de tradição patriarcal, já que logo após a nomeação de Ishá o texto segue dizendo que “portanto um homem deixará seu pai e sua mãe e se apegará à sua mulher, e serão uma só carne” (Ber. 2:25).

A linguagem tanáchica é limitada por ter sido encarnada desde aquele instante apenas a partir da voz masculina. Como seu texto será reproduzido quase integralmente por homens, esta primeira subordinação do feminino perante o masculino será reforçada ao longo de gerações e mais gerações de estudo. A tradição judaica hegemônica confirma a identificação equivocada de Homem como Humano Típico, e de Mulher enquanto o ‘Outro’. Como aparece na Torá, esta relação não surge do decreto divino, mas do ato de nomeação de uma metade de Adam pela outra. O poema em 2:24 é para nós o registro bíblico para a primeira violência entre humanos, encoberta pelo castigo divino posterior, que sela a submissão feminina perante a metade masculina (Ber. 3:16). Esta interpretação se coaduna à contextualização judaica proposta por Plaskow (1991)25 para os argumentos de Simone de Beauvoir: 

não é a experiência das mulheres que está consagrada na linguagem ou que moldou nossas formas culturais. Como as mulheres aparecem em textos masculinos, elas não são os sujeitos e moldadores de suas próprias experiências, mas os objetos dos propósitos, projetos e desejos masculinos. As mulheres não nomeiam a realidade, são nomeadas como parte de uma realidade que é construída por homens. Onde as mulheres são Outras, elas podem estar presentes e em silêncio simultaneamente; pois a linguagem e as formas de pensamento da cultura não expressam seus significados (1991, p. 2).

Conclusões

Partindo da interpretação que se quiser partir, a expressão não unívoca da criação humana em Bereshit denuncia a descontinuidade entre 1) a condição natural ou divina da igualdade entre o masculino e o feminino; e 2) a condição social por nós vivida enquanto processo histórico, que conformará a relação entre ambos os sexos em qualquer dada sociedade. Independente de nosso compromisso de fé, sempre que retornamos à Torá escrita como a conhecemos devemos ter consciência que estamos lendo o relato da experiência humana ancorados na linguagem de apenas uma das metades constitutivas desta humanidade. A Torá escrita nada nos diz acerca do que a metade de Adam enquanto Mulher pensou ou proferiu no encontro com a metade de Adam enquanto Homem. Nem explica por que a metade de Adam enquanto Homem, e seus descendentes masculinos serão os protagonistas majoritários da narrativa bíblica a partir de então. É este registro enviesado que acessamos até hoje, e a consciência a respeito deste viés se torna portanto fundamental para qualquer discussão acerca de seu conteúdo e sentidos. Com isso, apelamos pela inclusão, desde a perspectiva do estudo da tradição judaica, da perspectiva crítica sobre a ‘questão da mulher’ (Elior, 2023) em todos os contextos de ensino judaico contemporâneo.

Entendemos ainda que este argumento encontra uma importante ressonância na discussão apresentada por Tamar Ross acerca do desafio do feminismo para a ortodoxia (2000). Reconhecemos a radicalidade da proposta aqui expressa, mas não consideramos esta constatação um argumento que a invalide ou deslegitime. Como expressa Deitcher (2003), ao discutirmos as personagens bíblicas, “não podemos ser observadores apáticos desde as beiradas: devemos nos tornar leitores ativos do texto bíblico, engajados em um encontro com aqueles mesmos problemas, desafios, e frustrações que eles experienciaram” (Deitcher, 2003, p.10). 

Neste sentido, a leitura mais específica que propomos para a nomeação de Ishá não é a de que Adam inventa e com isso subjuga a mulher, mas sim que a sua metade masculina inventa a possibilidade de submissão de qualquer outro perante o Eu, princípio que dialoga com a tradição dialética hegeliana do Senhor e do Escravo. A subordinação ontológica, física e conceitual da Mulher perante o Homem, como interpretada pela tradição rabínica, constitui uma relação opressora de dominação patriarcal, que aqui lemos enquanto um relato de injustiça epistêmica, expressa tanto nas dimensões de uma injustiça testemunhal (que evidenciamos a partir do próprio texto bíblico), quanto uma injustiça hermenêutica (que será consequência da interdição da voz, da leitura e do estudo feminino deste registro ao longo da história). Novamente, entendemos que desde a Torá esta invenção pode ser justificada por surgir como produção inaugural masculina, fruto de um equívoco desta metade; ao despertar de seu sono, foi incapaz de ver no rosto que encontra a complementar e compartilhada identidade de Adam. O masculino naquele encontro esquece, desconhece ou silencia a sua diferença para com o Humano, ao passo que enfatiza e destaca a diferença feminina. A relação de dominação e submissão da mulher perante o homem, que se apropria dela e de sua capacidade reprodutiva, governando ela, sobre ela e através dela (Ber. 3:16) não deve ser, portanto, entendida enquanto ideal, natural ou referência para o empreendimento social judaico ou humano. Nós o lemos enquanto um erro lógico, e uma falha ética. Trible o definiu como o pecado original (1973/1979). Acreditamos que o esforço contemporâneo em oferecer contrapontos, complementos e comentários feministas sobre a textualidade bíblica, como a crítica aqui apresentada, abrem espaço para valorizarmos a participação e contribuição feminina na tradição judaica, e para reconhecermos as marcas históricas da injusta política institucional de silenciamento e esquecimento de suas vozes.

Não acreditamos que a Torá, seus redatores e transmissores intencionassem primariamente a perpetuação social do patriarcado. Mas a Torá escrita à qual temos acesso é uma produção masculina, ou mesmo uma reprodução masculina baseada em pensamentos inspirados, mas ainda assim expressos na forma masculina. Em sua linguagem e narrativa a mulher ocupa a posição auxiliar. Esta linguagem que organiza a Torá, e que é genericamente masculina, não é a linguagem natural feminina. A mulher não começou a ler e interpretar o mundo depois, mas a mulher só pode passar a ler e interpretar o mundo usando a linguagem masculina desde a sua diferença, desde uma certa distância que implica menor identificação e intimidade. Ao longo da história judaica, as mulheres se viram reiteradamente excluídas do campo do debate e da produção de conhecimento rabínico (Elior, 2023), e em muitos espaços mais tradicionais e ortodoxos esta realidade persiste (Ross, 2000). A exclusão feminina do campo hegemônico de produção de sentidos e leituras judaicas provocou um abismo hermenêutico nesta tradição que talvez nunca seja de fato superado. Enquanto herdeiros desta tradição, não podemos ser omissos quanto ao empreendimento judaico de reparação do mundo, e reconhecemos que este trabalho começa em nós (Levinas, 1957/1976). Parafraseando Pirkei Avot 2:16, não nos compete tomar por concluída a luta pela igualdade de gênero e pela dignidade humana. Não tomemos, portanto, a liberdade de negligenciá-la.  



* Para este trabalho, consulte também as seguintes fontes:
– Deitcher, H. (2003). Between angels and mere mortals: Nechama Leibovitch’s approach to the study of biblical figures. Studies in Jewish Education, 9, 8-22.
– Stavrakopoulou, F. (2011). Women in the Bible. In M. D. Coogan (Ed.), The Oxford Encyclopedia of the Books of the
Bible (Vol. 2, pp. 717-728). Oxford University Press.
– Tov, E. (2012). Textual critiscism of the Hebrew Bible (3rd ed.). Minneapolis: Fortress Press.


1. Graduado em Psicologia pela UFPE e mestre em Educação Judaica pelo Centro Melton da Universidade Hebraica de Jerusalém. É professor de Estudos Judaicos e membro da coordenação do Colégio Israelita Moysés Chvarts, em Recife/PE.
2. Berger, P. L. & Luckman, T. (2004). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento (27ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
3. Elior, R. The Unknown History of Jewish Women Through the Ages: on learning and illiteracy: on slavery and liberty (p. 793). Berlin/Boston: de Gruyter; Jerusalem: Magnes.
4. Butler, J. (2017). Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo (2ª ed.). São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 2012).
5. Levinas, E. (1976). Une Religion d’Adultes. In E. Levinas, Difficile Liberté: essais sur le judaïsme. Paris: Éditions Albin Michel. (Trabalho original publicado em 1966).
6. Halbertal, M. (1997). People of the Book: Canon, meaning and Authority. Cambridge: Harvard University Press.
7. Roitman, A. (2002). El judaísmo: una civilización libro-céntrica. Boletín, VII(1-2), 11-31.
8. Kollontai, A. (1977). The social basis of the woman’s question. In A. Appignanesi (Ed.), Selected Writings of Alexandra Kollontai (pp. ). Londres, Reino Unido: Allison & Busby. (Trabalho original publicado em 1909).
9. Elior, R. The Unknown History of Jewish Women Through the Ages: on learning and illiteracy: on slavery and liberty. Berlin/Boston: de Gruyter; Jerusalem: Magnes.
10. Boyarin, D. (1994). A radical jew: Paul and the politics of identity. Berkeley, CA: University of California Press. pp. 8-22. Disponível em: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;brand=ucpress
11. Este trecho e subsequentes são tradução nossa do original em inglês. Texto em edição não paginada online, que pode ser encontrada no link:
https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;chunk.id=ch1;doc.view=print
12. Ross, T. (2000). Modern Orthodoxy and the challenge of Feminism. In J. Frankel, E. Lederhendler, P. Y. Medding, & E. Mendelsohn (Eds.), Studies in Contemporary Jewry (pp. 3–38). Institute of Contemporary Jewry and Oxford University Press.
13. Carvalho, D. (2009). Woman has two faces: re-examining Eve and Lilith in jewish feminist thought (Tese de mestrado). Universidade de Denver. Disponível em: https://digitalcommons.du.edu/etd/115/
14. Boyarin, D. (1994). A radical jew: Paul and the politics of identity. Berkeley, CA: University of California Press. Disponível em: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;brand=ucpress
15. Katz, C. E. (2003). Levinas, Judaism and the Feminine: the silent steps of Rebecca. Bloomington, IN: Indiana University Press.
16. Kadari, T. (1999). Eve: midrash and aggadah. Shalvi/Hyman Encyclopedia of Jewish Women.
Disponível em: https://jwa.org/encyclopedia/article/eve-midrash-and-aggadah (Último acesso: 22/02/2023).
17. Baskin, J. (1989). Rabbinic reflections on the barren wife. Harvard Theological Review, 82(1), 101-114.
18. Trible, P. (1979). Eve and Adam: Genesis 2-3 Reread. In C. P. Christ & J. Plaskow (Eds.), Womanspirit rising: A feminist reader in religion (pp. 74-83). Nova Iorque, NY: Harper & Row. (Trabalho original publicado em 1973). Disponível em: https://summerstudy.yale.edu/sites/default/files/02trible_genesis.pdf
19. Engels, F. (2019). A origem da família, da propriedade privada e do Estado (14ª ed.). São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 1884)
20. Os três textos destacados por Palmer (2016) são a canção de Dvora em Shoftim 5 (composta de 335 palavras por minha contagem), a canção da mãe do rei Lemuel em Tehilim 31 (com 193 palavras, também minha contagem) e a prece de Hanna em Shmuel I 2 (103 palavras, também minha contagem). Estes três textos juntos somam 631 palavras. Trago essa contagem para comparar com o corpo total do Tanach, que consiste, segundo a contagem de Emanuel Tov baseada na Biblia Hebraica Stuttgartensia (Tov, 2012, p.38) de cerca de 305.000 palavras. Podemos dizer que a relação é de aproximadamente 0,18%, ou cerca de uma palavra feminina em cada quinhentas palavras do Tanach. Incluindo as demais canções e poemas atribuídos a mulheres no Tanach, dos quais somo outros 10 com base na sessão “Women in the Bible” da Oxford Enciclopedia of The Books of The Bible (Stavrakopoulou, 2011), de acordo com a contagem realizada por mim alcançaríamos a soma total de 1110 palavras, ou 0,36 % do texto tanáchico composto de textos apresentados como poesia, canção ou liturgia feminina. Para um resumo da contribuição textual feminina no judaísmo ao longo dos séculos ver Elior 2023.
21. Palmer, S. (2016). Recovering female authors of the bible. Studio Antiqua, 15(1), 13-26
22. Fricker, M. (2007). Epistemic Injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press.
23. Tzalotaiv é uma expressão que combina a raiz צלע (tzela) com o sufixo “dele” em hebraico. Duas vezes a raiz צלע é usada para prestar referência à parte de Adam da qual se produzirá Chava (Ber 2:21,22). Dezenove vezes a mesma raiz aparece no livro Shemot, significando um dos lados do Mishkan (Tabernáculo) ou do Mizbeach (Altar) (Shem 25:12 [dois usos], 14; 26:20,26,27 [dois usos],35 [dois usos]; 27:7; 30:4; 36:25, 31, 32; 37:3 [dois usos], 5, 27; 38:7). A raiz só aparece uma outra vez na Torá, ainda em Bereshit, contexto em que se traduz por “manco”, indicando que perdera liberdade de movimentos de um de seus ‘lados’ do quadril (Ber 32:32). Acreditamos que não é necessário mais do que isso para reconhecer que a melhor tradução para tzela, também no contexto do capítulo 2 de bereshit é como lado, metade, e não costela.
24. Plaskow, J. (1991). Standing Again at Sinai: Judaism from a Feminist Perspective. New York: HarperCollins.

  1. Para este trabalho, consulte também as seguintes fontes:
    - Deitcher, H. (2003). Between angels and mere mortals: Nechama Leibovitch’s approach to the study of biblical figures. Studies in Jewish Education, 9, 8-22.
    - Stavrakopoulou, F. (2011). Women in the Bible. In M. D. Coogan (Ed.), The Oxford Encyclopedia of the Books of the 
    Bible (Vol. 2, pp. 717-728). Oxford University Press.
    - Tov, E. (2012). Textual critiscism of the Hebrew Bible (3rd ed.). Minneapolis: Fortress Press. ↩︎
  2.  Graduado em Psicologia pela UFPE e mestre em Educação Judaica pelo Centro Melton da Universidade Hebraica de Jerusalém. É professor de Estudos Judaicos e membro da coordenação do Colégio Israelita Moysés Chvarts, em Recife/PE. ↩︎
  3. Berger, P. L. & Luckman, T. (2004). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento (27ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. ↩︎
  4. Elior, R. The Unknown History of Jewish Women Through the Ages: on learning and illiteracy: on slavery and liberty (p. 793). Berlin/Boston: de Gruyter; Jerusalem: Magnes. ↩︎
  5. Butler, J. (2017). Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo (2ª ed.). São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 2012). ↩︎
  6.  Levinas, E. (1976). Une Religion d’Adultes. In E. Levinas, Difficile Liberté: essais sur le judaïsme. Paris: Éditions Albin Michel. (Trabalho original publicado em 1966). ↩︎
  7.  Halbertal, M. (1997). People of the Book: Canon, meaning and Authority. Cambridge: Harvard University Press. ↩︎
  8. Roitman, A. (2002). El judaísmo: una civilización libro-céntrica. Boletín, VII(1-2), 11-31. ↩︎
  9. Kollontai, A. (1977). The social basis of the woman's question. In A. Appignanesi (Ed.), Selected Writings of Alexandra Kollontai (pp. ). Londres, Reino Unido: Allison & Busby. (Trabalho original publicado em 1909). ↩︎
  10. Elior, R. The Unknown History of Jewish Women Through the Ages: on learning and illiteracy: on slavery and liberty. Berlin/Boston: de Gruyter; Jerusalem: Magnes. ↩︎
  11. Boyarin, D. (1994). A radical jew: Paul and the politics of identity. Berkeley, CA: University of California Press. pp. 8-22. Disponível em: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;brand=ucpress ↩︎
  12. Este trecho e subsequentes são tradução nossa do original em inglês. Texto em edição não paginada online, que pode ser encontrada no link: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;chunk.id=ch1;doc.view=print ↩︎
  13.  Ross, T. (2000). Modern Orthodoxy and the challenge of Feminism. In J. Frankel, E. Lederhendler, P. Y. Medding, & E. Mendelsohn (Eds.), Studies in Contemporary Jewry (pp. 3–38). Institute of Contemporary Jewry and Oxford University Press. ↩︎
  14. Carvalho, D. (2009). Woman has two faces: re-examining Eve and Lilith in jewish feminist thought (Tese de mestrado). Universidade de Denver. Disponível em: https://digitalcommons.du.edu/etd/115/ ↩︎
  15. Boyarin, D. (1994). A radical jew: Paul and the politics of identity. Berkeley, CA: University of California Press. Disponível em: https://publishing.cdlib.org/ucpressebooks/view?docId=ft7w10086w;brand=ucpress ↩︎
  16. Katz, C. E. (2003). Levinas, Judaism and the Feminine: the silent steps of Rebecca. Bloomington, IN: Indiana University Press. ↩︎
  17.  Kadari, T. (1999). Eve: midrash and aggadah. Shalvi/Hyman Encyclopedia of Jewish Women
    Disponível em: https://jwa.org/encyclopedia/article/eve-midrash-and-aggadah (Último acesso: 22/02/2023). ↩︎
  18. Baskin, J. (1989). Rabbinic reflections on the barren wife. Harvard Theological Review, 82(1), 101-114. ↩︎
  19.  Trible, P. (1979). Eve and Adam: Genesis 2-3 Reread. In C. P. Christ & J. Plaskow (Eds.), Womanspirit rising: A feminist reader in religion (pp. 74-83). Nova Iorque, NY: Harper & Row. (Trabalho original publicado em 1973). Disponível em: https://summerstudy.yale.edu/sites/default/files/02trible_genesis.pdf ↩︎
  20. Engels, F. (2019). A origem da família, da propriedade privada e do Estado (14ª ed.). São Paulo, SP: Boitempo. (Trabalho original publicado em 1884) ↩︎
  21. Os três textos destacados por Palmer (2016) são a canção de Dvora em Shoftim 5 (composta de 335 palavras por minha contagem), a canção da mãe do rei Lemuel em Tehilim 31 (com 193 palavras, também minha contagem) e a prece de Hanna em Shmuel I 2 (103 palavras, também minha contagem). Estes três textos juntos somam 631 palavras. Trago essa contagem para comparar com o corpo total do Tanach, que consiste, segundo a contagem de Emanuel Tov baseada na Biblia Hebraica Stuttgartensia (Tov, 2012, p.38) de cerca de 305.000 palavras. Podemos dizer que a relação é de aproximadamente 0,18%, ou cerca de uma palavra feminina em cada quinhentas palavras do Tanach. Incluindo as demais canções e poemas atribuídos a mulheres no Tanach, dos quais somo outros 10 com base na sessão “Women in the Bible” da Oxford Enciclopedia of The Books of The Bible (Stavrakopoulou, 2011), de acordo com a contagem realizada por mim alcançaríamos a soma total de 1110 palavras, ou 0,36 % do texto tanáchico composto de textos apresentados como poesia, canção ou liturgia feminina. Para um resumo da contribuição textual feminina no judaísmo ao longo dos séculos ver Elior 2023. ↩︎
  22.  Palmer, S. (2016). Recovering female authors of the bible. Studio Antiqua, 15(1), 13-26 ↩︎
  23.  Fricker, M. (2007). Epistemic Injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press. ↩︎
  24. Tzalotaiv é uma expressão que combina a raiz צלע  (tzela) com o sufixo “dele” em hebraico. Duas vezes a raiz צלע  é usada para prestar referência à parte de Adam da qual se produzirá Chava (Ber 2:21,22). Dezenove vezes a mesma raiz aparece no livro Shemot, significando um dos lados do Mishkan (Tabernáculo) ou do Mizbeach (Altar) (Shem 25:12 [dois usos], 14; 26:20,26,27 [dois usos],35 [dois usos]; 27:7; 30:4; 36:25, 31, 32; 37:3 [dois usos], 5, 27; 38:7).  A raiz só aparece uma outra vez na Torá, ainda em Bereshit, contexto em que se traduz por “manco”, indicando que perdera liberdade de movimentos de um de seus ‘lados’ do quadril (Ber 32:32). Acreditamos que não é necessário mais do que isso para reconhecer que a melhor tradução para tzela, também no contexto do capítulo 2 de bereshit é como lado, metade, e não costela.  ↩︎
  25.  Plaskow, J. (1991). Standing Again at Sinai: Judaism from a Feminist Perspective. New York: HarperCollins. ↩︎

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